01/12/2025

Quatro em cada dez empresas vão à falência após recuperação judicial

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Quatro em cada dez empresas não voltaram a operar no terceiro trimestre após
finalizarem o processo de recuperação judicial. Foram à falência. A taxa de
sucesso caiu consideravelmente em relação a igual período de 2024, em meio a
um novo recorde no volume de reestruturações. É o que mostra o Monitor
RGF, da consultoria RGF, obtido com exclusividade pelo Valor.
No terceiro trimestre de 2024, 11% das empresas que saíram da recuperação
judicial faliram. Neste ano, a taxa ficou bem maior: em 37% no terceiro
trimestre, um novo recorde. Os outros 63% voltaram a operar normalmente no
mercado.
Também é recorde o volume de recuperações judiciais. Ao todo, 5,2 mil
empresas estavam em processo de reestruturação no final do terceiro trimestre
- 20% a mais que no mesmo período do ano passado. Um total de 435 empresas
começaram, no período, a negociar suas dívidas sob supervisão do Judiciário,
que somam R$ 16,8 bilhões, e 120 deixaram o instituto.
Das que saíram da recuperação judicial, 76 conseguiram se soerguer, mas 44
quebraram. Do total de falências, 19 foram na região Sul. No geral, são
empresas do setor de comércio (15) e serviços (14).
A agropecuária continua como o setor com mais empresas em recuperação,
ante o total em atividade. O Índice RGF de Recuperação Judicial (IRJ-RGF) é
o mais alto, de 12,63 - são mais de 12 empresas em crise a cada mil. Já o setor
de serviços é o que mais tem companhias negociando as dívidas em números
absolutos. São 1,2 mil nesta situação, mas o IRJ-RGF é de 0,97, pois existem
muitas do segmento.
Segundo a consultora Roberta Gonzaga, da consultoria RGF & Associados,
não houve alta isolada em setor específico do segundo para o terceiro trimestre
de 2025. “Antes, já vimos grandes saltos no agro, mas, nesse trimestre, todos
cresceram. Em números absolutos, comércio e serviços cresceram um pouco
mais, mas eles têm bastante empresas. Então foi um crescimento mais
homogêneo, não teve um setor que destoou”, diz.
Na visão de especialistas, são vários os motivos para o aumento da insolvência.
A razão principal que as empresas alegam nos pedidos de recuperação ainda é
a alta taxa de juros, hoje em 15%, que encarece o custo da dívida. Mas
advogados também indicam que decorre da restrição de crédito, principalmente
acesso a dinheiro novo durante a reestruturação e financiamentos - como o
DIP, aprimorado com a reforma da lei em 2020.
Há também quem diga que já não é mais possível culpar a Selic ou a pandemia
da covid-19. Os recordes de insolvência decorrem de má gestão, falta de aporte
de capital dos sócios e de preparação dos executivos à frente do negócio de
lidarem com as reestruturações. É o que pensa o professor de reestruturações
corporativas Paulo Henrique Carnaúba, do Programa Avançado de Finanças do
Insper.
“A Selic só se torna um grave problema para a empresa estável quando os sócios
se recusam a aportar recursos. Eles se fiam, em todo projeto de reestruturação,
somente no dinheiro de credores antigos, que estão desgastados, e de eventuais
novos financiadores, que estão relutantes”, afirma Carnaúba.
Para ele, as recuperações judiciais que não dão certo e resultam na falência são
aquelas que não trabalham os principais problemas da empresa. “Nas
reestruturações, não são atacados os reais problemas da empresa, que buscam
só um deságio agressivo, como se isso resolvesse alguma coisa.
Superendividamento não é causa, é consequência de falta de fundamento da
empresa e de deficiência na gestão”, completa.
O caso da Oi é o exemplo mais recente e emblemático. Mesmo após ter
recebido um empréstimo de US$ 400 milhões, em 2023, o montante não foi
suficiente para evitar a sentença de quebra, da qual grandes bancos como Itaú
e Bradesco recorreram para tentar receber o crédito em melhores condições.
Após o recurso, a falência foi revertida. É a segunda reestruturação da
companhia, que já dura mais de dois anos (processo nº 0809863-
36.2023.8.19.0001).
Muitas empresas talvez não precisassem recorrer à recuperação”
— Pedro Villas Boas
Segundo o especialista em reestruturação de empresas Rodrigo Gallegos, sócio
da RGF, casos “inevitáveis” como esse ocorrem quando o modelo de negócio
já não é viável. “O DIP não consegue salvar a empresa quando ela não tem uma
capacidade de geração de caixa”, afirma. “Dado que a operação normal da
empresa não gera dinheiro, não consegue nem pagar a própria operação, muito
menos pagar o plano e os credores”, completa.
Gallegos também diz que os bancos têm estado mais seletivos na concessão de
crédito, principalmente na reestruturação, exigindo garantias mais robustas.
Mas, muitas vezes, a devedora já não tem mais o que oferecer. “Eles começam
a fazer um monte de exigências para uma empresa que já fez de tudo e que não
vai ter mais as garantias disponíveis.”
Ele cita ainda a falta de preparação das companhias, que precisam entrar no
processo de recuperação ainda gerando caixa. Isso porque os fornecedores
passam a exigir pagamento à vista, ao invés de em 30 a 40 dias. “Para
reestruturar, a empresa gasta dinheiro. Seja para mandar pessoas embora, para
contratar uma assessoria e reestruturar o negócio. Precisa reduzir para crescer.”
Para o economista Pedro Villas Boas, da Stonex, a escalada dos juros e menor
oferta de crédito têm impactado as empresas, mas muitas delas, sobretudo do
agronegócio, talvez não precisassem recorrer ao instituto. “Nos últimos dois
anos, temos visto muita gente usar o instrumento da recuperação judicial como
solução, mas não necessariamente da forma adequada”, diz.
Segundo ele, é preciso primeiro se ajustar ao cenário desafiador, reduzir de
tamanho e vender ativos específicos. “Uma empresa não chega em um estágio
de recuperação judicial do dia para a noite. Se ela começa a ver seus números
deteriorando nesse cenário de desafio de crédito e não se ajusta, a recuperação
judicial acaba sendo uma solução precipitada.”
Por isso, acrescenta, algumas companhias não conseguem sair do processo, o
que pode ter contribuído para o aumento das falências. “Para uma recuperação
dar certo, [a empresa] tem que estar disposta a ceder, ser transparente, construir
credibilidade, ter um time de assessoria bom, que passa por bons advogados.
Mas não passa só por isso. É preciso entender quais são os problemas de
gestão”, afirma.
A advogada Adriana Dias, sócia do TWK Advogados e conselheira do
Turnaround Management Association (TMA), diz que, muitas vezes, as
reestruturações terminam não dando certo por fatores externos imprevisíveis
ou mudanças setoriais específicas. Um exemplo é o caso da recuperação da
Livraria Saraiva, iniciada em 2018, que resultou no pedido de autofalência em
2023 (processo nº 1119642-14.2018.8.26.0100).
“Livrarias que atuavam no modelo de megastore tiveram que reestruturar o
negócio e, inicialmente, tinham planos de continuar a atuar em lojas, mas veio
a pandemia em seguida. Então tiveram que reformular os planos e fazer uma
remodelagem buscando outras formas de atuação”, afirma. “Existem casos de
que os planos não se tornam mais factíveis ou a falência está relacionada à
própria atividade-fim, de coisas e modelos de negócios que ficaram obsoletos”,
completa.
Procuradas pelo Valor, a Oi e a Saraiva não deram retorno até o fechamento
da edição.